Gustavo José
Barbosa
Quadro que pertenceu a minha trisavó Capitulina |
Nasci nos primeiros anos da década de 1980 na cidade de
Nova Cruz (RN) bem próximo à divisa com o Estado da Paraíba, e embora meus
parentes camponeses vivesse na comunidade rural eu cresci na sede do município.
Como não tínhamos casa própria moramos em quase todos os bairros da cidade, e
até onde a memória me ajuda quando vim ao mundo residíamos na Rua Nestor Marinho vizinho à residência de D. Ilda Ganga e pertinho de D. Julia Brigonho.
Mas se havia um momento especial no ano era naquelas
ocasiões em que visitávamos meus avós Gustavo e Alaíde no Sítio Bastiões, pois
de certa forma voltávamos as nossas raízes. Quando havia um pouco de dinheiro
minha mãe conseguia comprar nossas passagens e viajávamos no ônibus da Viação
Riograndense até um trecho próximo à comunidade rural, senão íamos caminhado,
“cortando por dentro” pelo Sítio Santa Luzia e após algumas horas chegávamos ao
nosso destino.
A casa onde residiam meus avós era de taipa, assim como a
de muitos nordestinos naquela época, no entanto havia ali uma atmosfera tão
acolhedora que poderia suplantar todas as dificuldades que viessem a existir.
Aquele lar era constituído de uma sala, dois quartos e uma cozinha, um ambiente
pequeno e aconchegante que muito se assemelhava ao conforto da toca de Bilbo
Bolseiro.
Aliás, em muitos aspectos havia similaridade da vida
tranquila dos meus familiares com dos personagens de J. R. R. Tolkien
(1892-1973): tinha o jardim da minha avó Alaíde, as pessoas fumavam
cachimbo, tomavam chá de variados sabores da nossa horta, alimentavam-se dos
produtos oriundos do roçado localizado perto da casa e de vez em quando alguém
tinha coragem de vivenciar uma aventura.
Não tenho muitos recordações sobre a rotina do meu avô
Gustavo mas lembro que era um homem simples, tranquilo e que aprendeu desde
cedo a superar as dificuldades da vida e alí no campo encontrou a razão de
viver e contemplar as obras da criação. A vida daquele vaqueiro era simples e
condizente com um tempo em que as informações eram propagadas de forma lenta,
as horas iam passando devagarzinho sob a luz dos candeeiros que iluminavam as
noites tranquilas.
Costumeiramente eu dormia numa rede na sala da casa sob o
olhar sempre atento dos santos fixados naquelas paredes exalando o cheiro da fé
católica, apesar dos meus avós frequentarem a Igreja apenas nas datas
principais do ano, como no Natal. Meu primo Luiz Félix Neto para a minha
alegria me enviou uma foto de um quadro retratando a batismo de Jesus que
pertenceu a minha trisavó, D. Capitulina Maria da Conceição, filha de Manoel
Viana da Silva e D. Romana Maria da Conceição, meus tetravós e daí compreendi a
fonte das tradições religiosas da minha família.
Semana passada o carteiro para minha surpresa fez a
entrega de um livro escrito pelo ilustre potiguar Augusto Tavares de Lira
(1872-1958) que citando Constâncio Alves (1862-1933) relembrou a saudade sempre
presente em Nísia Floresta (1810-1885) quando residia na Europa e contemplava ao longe o seu Rio Grande do Norte:
“Esse
amor ao torrão natal é tão profundo que, quando nessa Itália, a que mais amou
das pátrias alheias, encontra um trecho em que lhe fosse grato viver (como
Florença), ou lhe fosse doce descansar na vida (como o Campo Santo de Pisa) não
se esquece de notar com patriotismo jamais distraído por seduções exóticas –
que a todas as terras do mundo preferirá sempre, com veemência, para viver ou
para morrer, a terra sagrada da Pátria, que não cessa de ver, perenemente
rutilante por entre as neblinas de Paris ou os nevoeiros de Londres”.[1]
Sempre que vou à Nova Cruz procuro
visitar o Sítio Bastiões, e confesso que não sei bem o que procuro em meio
aquelas árvores plantadas por meus ancestrais e que relutam em sobreviver ao
tempo. Mas sinto-me atraído pela memória daqueles que me precederam e sei que
carrego parte da herança por eles deixada, o que sempre me coloca à caminho...
pelas estradas da vida.
[1] LIRA, A, T. História do Rio
Grande do Norte. Brasília: Senado Federal, 2012. Volume 167. p. 424.
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